O PRESIDENTE DA BOLHA



Até hoje tem gente (militante ou não ) que se espanta com o apoio popular que Jair Bolsonaro ainda tem. O governo dele é um desastre a olhos vistos: não há nenhuma ação coordenada contra o crime organizado (boa parte da população que o elegeu tinha a esperança de um combate mais efetivo ao crime); o Brasil se tornou piada internacional graças aos esforços do ministro Ernesto Araújo; as denúncias de corrupção e favoritismo são constantes sobre ele e sua família (a luta contra a corrupção foi uma de suas pautas principais); a aliança com o centrão sepultou seu discurso de “nova política” (ou seja, de que ele governaria sem ceder aos partidos); e a gestão do controle da pandemia do Covid 19 é a mais desastrosa do planeta (com tendências de piorar).

Estes são os dados objetivos da realidade e o fato é que todas as pesquisas de opinião até agora o dão como presença certa no segundo turno de 2022. Mesmo que algumas destas pesquisas o apontem como provável derrotado no segundo turno, ainda é absurdo aceitar que os resultados que ele apresenta o credenciem para estar na segunda etapa do pleito. Evidentemente que o tempo pode reverter isso e esse texto ficar ultrapassado (tomara que sim), mas até agora existe sério risco de ele ganhar novamente a presidência.

Presidência que ele só conquistou graças à soma de certos elementos que podem não estar juntos em 2022. A prisão do Lula (franco favorito em 2018) foi uma delas. Com o Lula livre para ser candidato as coisas se complicam para ele, mas nunca nos esqueçamos que lidamos com elementos instáveis e inimigos da legalidade democrática. Acreditar em uma legalidade frágil que pode ser quebrada a qualquer momento é um dos vários defeitos da esquerda reformista dos dias de hoje.

No entanto, dois elementos com certeza estarão presentes em 2022, e os dois se interligam. São eles as “fake News” e as bolhas de internet. As notícias falsas e os grupos de fanáticos sectários sempre existiram, mas a internet e suas redes sociais lhes deram um campo de expansão extraordinário. Não falo apenas de extensão numérica das pessoas envolvidas, mas da própria disposição do indivíduo em aceitar o que é falso e envolver-se em um grupo sectário em torno desse tema. Nos dias de hoje um indivíduo em frente a uma tela de computador é mais crente em notícias falsas do que um indivíduo em 1970 lendo as mesmas notícias em um jornal. Isso acontece porque o indivíduo em frente à tela pode associar-se a outros em grupos específicos em torno do tema nas redes sociais. Se esses indivíduos excluírem todos os que discordam do tema de suas relações na internet, teremos  um caso de bolha ideológica.

Na bolha ideológica tenho informações que me agradam: se sou liberal, nenhum socialista estará nela; se sou socialista, os liberais serão excluídos. E isso vale para qualquer tema: podem existir bolhas de ateus, cristãos, veganos, de partidos políticos, de diversas religiões, de fãs de quadrinhos, etc. Aqueles que defendem outras ideias, ideologias ou pontos de vista são ou excluídos ou sofrem ataques e pressões da coletividade participante do grupo, o chamado “linchamento virtual”.

Se formos observar bem, é justamente a facilidade de exclusão nas redes sociais (posso facilmente excluir e bloquear pessoas em minha página no facebook ou twitter) que cria a bolha ideológica. O próprio software projetado para as redes sociais permite esse fenômeno grotesco. Mas ele também não existiria sem a vontade humana. Posso excluir ou não alguém, depende de minha iniciativa. E mesmo que eu não queira excluir ninguém, isso não me salva da bolha, pois todos os que discordam de mim podem me excluir.

As bolhas surgem da confluência de dois fatores: a facilidade de eliminar quem me incomoda e a necessidade de ser reconhecido como alguém que tem razão. Todos os que estão em minha bolha concordam comigo e não sou contrariado em nada do que digo. A bolha não é democrática e conduz à uniformidade de pensamento. Leva à repetição constante de informações que justifiquem as posições defendidas pelo grupo. A repetição constante de informações (sem questionamentos sobre elas) leva a um processo de doutrinação. O isolamento na bolha leva a uma visão tão uniforme que fica difícil para o indivíduo reconhecer qualquer outro que pense diferente. Seu ego está sempre sendo massageado (em minha bolha sou sempre aplaudido e recebo apoios, pois todos concordam comigo). Torno-me mais e mais indisposto a aceitar e reconhecer quem discorda de mim e fico mais intolerante. Mais violento. E se posso facilmente eliminar virtualmente alguém, posso também ficar tentado a eliminar pessoas na vida real. As bolhas são um barril de pólvora.

Nesse momento nas bolhas bolsonaristas os governadores e o STF (?) são culpados pela pandemia; o número de mortos é falso, inflado pela mídia para prejudicar o presidente; as notícias sobre corrupção dele e de seus familiares ou não circulam ou são vistas como conspiratórias fake News; a ligação de Bolsonaro com as milícias (ou seja, com o crime organizado) é negada de forma absoluta; a posse de armas é divulgada como a solução absoluta para o problema da criminalidade (daí ninguém questionar o por quê dele não ter um programa concreto de combate ao crime); Lula e o PT continuam culpado por todos os males do país; o racismo é invenção dos negros; os homossexuais querem que todo mundo vire gay; todas as feministas querem castrar os homens, etc. A lista deve chegar ao infinito.

É preciso entender que Bolsonaro (e os outros populistas de direita) precisa do extremismo de suas bolhas. Fanáticos são bons militantes. Eles se empenham na defesa do líder. Presos na comodidade das bolhas, eles  não estão tão preocupados em pensar. É só repetir chavões na forma de memes que o “debate” já está instalado entre eles. Um aplaude o discurso repetido do outro e todos ficam felizes. Não fique tão espantado quando Bolsonaro falar asneiras. É para a bolha que ele está falando. Não é para quem está fora dela. E isso não é estranho. Ele é o primeiro presidente eleito democraticamente que não estabelece conexões com os diversos setores da sociedade. Ele não tem capacidade política ou intelectual para negociar com a multiplicidade de segmentos sociais. Sua visão de mundo é provinciana, simplória, nem sequer é medíocre. Está abaixo disso.

Bolsonaro sempre esteve em uma bolha. A bolha dele sempre existiu. Saudosistas da ditadura, negadores da ciência, fanáticos religiosos, tudo já estava aí. Agora a bolha dele, via internet transformou-se em uma força política com, até agora, 25 a 30 por cento do eleitorado. Formada por elitistas arrogantes (pertencentes ou não à elite), fracassados oriundo das várias classes sociais (com diferentes variações de fracassos), milicianos bem armados (os mais perigosos), fanáticos religiosos (de diferentes religiões), fascistas disfarçados de liberais, etc.

Para vencer Bolsonaro será preciso vencer essa bolha. Provavelmente com outra bolha maior, o que inverte, mas não resolve o problema. Até porque a bolha bolsonarista (assim como a bolha de Trump) não vai aceitar uma derrota. O risco de caos é amplamente possível com a derrota ou a vitória de Bolsonaro. Se além da continuação da epidemia (graças aos esforços do próprio presidente) tivermos um caos generalizado após 2022, nos arriscamos a afirmar que a década de 20 será outra década perdida para o Brasil, Esse será o grande legado do golpe de 2016.

 

 

 

Aristóteles Lima Santana é professor de geografia, escritor e ativista politico.