O pastor Sidnei Cézar é uma das vozes dissonantes dentro do meio cristão protestante, é um duro critico da chamada teologia da properidade e do uso politico da igreja por alguns sacerdotes, prega a volta do cristianismo comunitário e o antigo protagonismo social da igreja, além de representar hoje uma parcela pequena nas igrejas protestantes, ser um cristão de esquerda, a Bacurau ele concede essa entrevista.



Bacurau: Sidney nos últimos anos vemos uma ascensão das igrejas neopentecostais no Brasil e em países da África que tem como mote a teologia da prosperidade, qual a razão  do crescimento vertiginoso dessa correte cristã?


SD - Vou responder a cada uma de suas perguntas sobre a Teologia da Prosperidade e o que acontece na religião protestante atual. A teologia da Prosperidade e o neo pentecostalismos são fenômenos que acontece após a Segunda Guerra Mundial e cresce entre os pregadores dos ministérios de cura principalmente.

Eles acreditam que o Cristão tem direito ao bem-estar incondicionalmente físico e espiritual se alienando de forma fanática da própria realidade. Obviamente isso é baseado numa prosperidade Econômica onde o cristão, segundo eles, têm direito a todo e qualquer prosperidade financeira, em como a cura de todos os males existentes.

Segundo os teólogos da prosperidade, estão tomando de volta das mãos do diabo aquilo que pertence a Deus que é o mundo criado. É uma teologia de paranoia, mas que atende bem a demanda do sistema econômico capitalista.

Ela também é conhecida como a teologia da vida abundante. É uma teologia que é fundamentada sobre as promessas Divina de dominação em relação as tribos de Israel - baseado no Antigo Testamento. Fala de um tal empoderamento pessoal espiritual através de confissão politiva da palavra (REMA).

A teologia cresce nos Estados Unidos pós-segunda Guerra Mundial nas décadas de 1950 e 1960. Já no início de 1970 com neopentecostalismo em nascimento aqui no Brasil, ela começa a ser disseminado com as igrejas de Edir Macedo e R.R. Soares. Nas igrejas tradicionais ela começou a ser ensinada através de um dos movimentos chamado Palavra da Fé de uma Batista Missionária conhecida como Valnice Milhomem (1970-80).

Eu tenho muita propriedade para falar sobre esse assunto porque eu li basicamente quase todos os livros da Teologia da Prosperidade dos principais líderes como é W. Kenyon, Oral Roberts, T.L Osborn e Kennedy Regin. Aqui no Brasil, por exemplo, a igreja basicamente substitui a reflexão teológica da Bíblia, pelos profetas de púlpitos. Eles são negacionista da teologia tradicional, da racionalidade e da ciência.  Em Paulo Afonso quase todas as igrejas aderiram a tal teologia e a igreja Verbo da Vida é o suprassumo da heresia Kennedy Regiana.

Após essa breve introdução sobre a teologia, quero dizer que o crescimento das igrejas neopentecostais tanto no Brasil como na África acontece por causa da problemática social e educacional desses lugares. A teologia responde demagogicamente as carências sociais – fome, necessidades, miséria e falta de esperança. Uma vez que o Estado abandona o povo a sua própria sorte, as igrejas da teologia da prosperidade começam a ocupar esse espaço vazio, sendo único meio dessa gente escapar da miséria em busca de uma vida melhor. Infelizmente, seu discurso se torna a esperança do povo. Ela desperta nas pessoas também uma avareza e uma ganância sem fim.

Como o Brasil e a África são lugares emergentes e de pobreza extrema, se tornam terrenos férteis para essa semente desse mal e da heresia religiosa. Não é uma teologia que discute a realidade dos lugares e dos povos, simplesmente promete o céu na terra e pronto. A fidelidade a igreja e a Deus garantem o sucesso dessa empreitada espiritual. O povo quer facilidade e encontra nessas igrejas o que querem ouvir. Basta permanecerem nos templos plantando a semente do dízimo nos púlpitos que, posteriormente, colherão seus frutos de prosperidade. Quando não dá certo é porque não tiveram fé suficiente, alegam os líderes.

 

Bacurau: Você é um cristão progressista e de esquerda, e representa uma parcela muito pequena do mundo cristão (protestante). Como é ser sacerdote num meio tão conservador e hoje agravado com o advento do bolsonarismo negacionista?


SD - Realmente eu sou, antes de qualquer coisa, CRISTÃO. Mas também sou teólogo e historiador. Desta forma, pelo pouco conhecimento que tenho é impossível não ser de esquerda e progressista. Mas também sou comunista, socialista, herético, desviado de Deus e tudo mais que essa gente de dentro da igreja, que se diz conservadora me taxa. Eu acredito no comunismo do Livro dos Atos dos Apóstolos na Bíblia Sagrada. Não é marxista, embora, goste dos escritos marxistas, mas é comunismo. Sou pastor a quase 30 anos e tenho uma linhagem Batista de teologia reformada.

Já o conservadorismo da igreja evangélica beira a hipocrisia. O discurso que foi desenvolvido nesses últimos anos de história da igreja evangélica no Brasil tem uma natureza moralista muito profunda. Eles elegeram alguns inimigos particulares como os homossexuais, o comunismo, o catolicismo e as religiões afrodescendentes para nutrir seu ódio religioso. Todavia, a prática é estranha a moralidade pregada. O falso moralismo prevalece nas convenções religiosas, onde estão sobrecarregadas de crimes. O bolsonarismo nas igrejas é UMA DAS EVIDÊNCIAS CRIMINOSAS dessa postura de falso moralismo. Não é uma escolha democrática política meramente, é negação da fé evangélica.

Quer outro exemplo de crime? Veja a bancada evangélica como se comporta no Congresso. Quer mais exemplos? Veja o caso Flordelis, o caso do deputado evangélico dos dentes milionários (Marco Feliciano), o caso de Eduardo Cunha que se diz evangélico e tantos outros. Nem vou me referir ao que acontece nos bastidores das Convenções, as coisas internas, assim mereceria a Policia Federal presente. Mas, de vez enquando, acontece de uma dessas casas caírem virando notícia. Tenho orado muito por isso.

Ser cristão nesse universo de hipocrisia significa viver de forma consciente e responsável o Evangelho. Significa viver sem barganhas com Deus e os membros da igreja que pastoreia. Isso em relação a questão econômica principalmente, possuindo transparência total. Também significa denunciar o mal existente sem medo de sofrer perseguições dos conhecidos e desconhecidos. Já sofri muitas ameaças de morte por casa da minha língua profética.    

 

Bacurau: Vimos na última eleição presidencial, muitas igrejas e pastores usando seus púlpitos para fazer política partidária, e amplificando inclusive as chamadas “fake news” e demonizando a esquerda, quando avaliamos a vida de jesus cristo e sua trajetória, vemos um homem apolítico, mas socialista, porque esse ódio de alguns líderes cristão justamente contra a esquerda?


SD - De fato, Jesus Cristo veio pregar o reino dos céus, os seus valores e suas virtudes para que acontecesse uma REVOLUÇÃO TOTAL na cultura humana. Essa vontade fica muito evidenciada na famosa oração dominical quando ele diz “Pai nosso que estais no céu, santificado seja o teu nome, venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”. Negar essa verdade no mínimo é desonestidade intelectual, falta de espiritualidade e discernimento de espírito da pessoa. O reino de Deus é de PAZ, ALEGRIA E JUSTIÇA. Não vejo como ser de direita e capitalista segundo a teologia neotestamentária. Desafio qualquer pastor ou teólogo, em debate, para provar o contrário à luz da Bíblia.

A única forma de explicar essa entrada dos evangélicos na política, sem ética e sem evangelho, inclusive é o que vou provar na minha tese do mestrado na Universidade Federal de Alagoas, é o desejo de poder que o grupo passou a ter, a fim de decidir a vida do povo brasileiro sob a dominação religiosa. Bem como o desejo de poder econômico para erguimento de ministérios religiosos suntuosos pelo país, algo bastante rentável para as lideranças.

A perseguição feita aos políticos de esquerda pode ser explicada pelo fundamentalismo religioso existente dentro do protestantismo. Eles acabam elegendo inimigos para justificar sua espiritualidade. É comum no fundamentalismo religioso, afinal a “caça às bruxas” ainda existe. É o que acontece em relação à esquerda, aos comunistas, aos socialistas por exemplo.  Essa é uma herança maldita dos norte-americanos plantada no pentecostalismo do início do século XX (1920).

Sobre o ódio e as fake News, basta dizer que o ódio e a mentira vêm do diabo, porque o diabo é o pai da mentira e o centro de todo ódio, diz a teologia Paulina e Joanina. Sendo assim, a igreja evangélica se tornou um instrumento do diabo.

 

Bacurau: O Brasil segundo a constituição de 1988 se designa um estado laico, porém todos os presidentes em algum grau tomaram decisões voltadas para atrair a bancada da Bíblia no congresso, em detrimento inclusive a outras religiões, acredita que teremos no futuro um presidente que cumpra de fato esse laicismo no estado?

 

SD – Não, não teremos nunca um presidente que respeite esse estado laico. A religião é instrumento de dominação poderoso e sua influência não acabará nem tão cedo. O cristianismo institucional domina o Brasil, seja católico ou protestante, é fato.

As religiões periféricas (menores) como as afrodescendentes devem se reinventar para sobreviver as perseguições desses grupos maiores. Sempre existirá a disputa de poder nesses esforços religiosos. Por outro lado, o proselitismo nas religiões reina cinicamente, é algo soberano. 

  

Bacurau: O Sr foi candidato a vereador na última eleição municipal em Paulo Afonso-BA pelo partido dos trabalhadores, e a câmara de vereadores nesse pleito teve uma renovação muito ínfima, o que acha que pode ser feito para estimular a rotatividade dos representantes na câmara municipal?


SD - Realmente fui candidato a vereador, mas acabei me dedicando a campanha majoritária oposicionista de renovação, daí, recebi poucos votos no pleito. Algo insignificante para uma disputa.

Para acabar com esses “vereadores profissionais” tem eu fazer reforma politica séria no Brasil e abolir com o financiamento de caixa 2 praticado por aqueles que estão no poder. Assim a disputa fica mais honesta e igual para todos. Ninguém vota no Brasil por causa de projeto de governo ou consciência política, o que existe é o assistencialismo despudorado mesmo.

Recordo que fui fazer um óculos no período da campanha, o meu havia quebrado, e me deparei com a cena inusitada na ótica no centro da cidade. Estavam 10 pessoas esperando seus óculos que o vereador “fulano de tal” havia dado em troca de voto. Eles falaram abertamente sobre isso dando risadas. Se eu acreditasse na justiça brasileira teria denunciado, mas como não acredito deixa como está. Eles figem que ganharam honestamente e o povo finge que tem representação de fato. De certa forma, o povo tem o governo que merece.

 

Bacurau: O Sr tem pregado nas redes sociais que devemos ter um olhar mais crítico sobre os políticos, e tem incentivado aos pauloafonsinos se envolver mais na política municipal, porém o grupo que está no poder há 30 anos se reelegeu, o Sr acredita que a pandemia favoreceu os candidatos que já possuíam mandatos, ou mais uma vez prevaleceu o velho e conhecido assistencialismo político?

 

SD - As duas coisas colaboraram com a situação de caos, com certeza acabou beneficiando quem estava no poder com a máquina pública na mão.  

A pandemia prejudicou porque o povo estava com medo de ir para as ruas fazer campanha e quem estava com o poder nas mãos obrigou funcionários a participarem das caminhadas (Há muitos depoimentos sobre essa questão), principalmente, sobre essa leva de contratados de última hora. Também impuseram o abuso do poderio econômico nas carreatas e estruturas de live. Você acha que tudo foi caixa normal oficial, eu não acredito.

Eles desrespeitaram todas as normas sanitárias e agora estamos pagando o preço alto do contágio e das mortes.  

Ainda respondendo a sua pergunta, como disse acima, o assistencialismo é cínico e continua prevalecendo na hora do voto. Vamos ver se continuam dando cestas básicas ainda hoje por exemplo.

Quinhentos (500) anos ainda não foi suficiente para o povo enfastiar de ser escravo humilhado por essa elite política imunda.

O povo tem que acordar e reagir, tem que participar da política, ser crítico da sua própria realidade. O povo tem que se politizar. O povo tem que se indignar com a desgraça sofrida e não ficar fazendo piadas como é de costume. Na fome, na desigualdade social e nas injustiças não há graça e nem humor. Eles (a elite) riem da nossa estupidez.