Natural de Mirassol, interior paulista, o chef Clodomiro Tavares se formou em Direito e trabalhou por 18 anos no Banespa, até que seu talento para a gastronomia, revelado ainda durante a adolescência o despertou. Influenciado pela avó paterna, Dona Maria Joanna, uma quituteira de mão cheia, sempre teve forte ligação com à vida entre panelas. Assim, aprimorou suas técnicas de cozinha no Senac de Águas de São Pedro, em São Paulo e na Casa do Comércio de Salvador. Ainda durante o curso de pós-graduação em Gestão de Qualidade em Gastronomia, Clodomiro foi sócio-proprietário de buffets e restaurantes, até que migrou para hotelaria e atuou em importantes estabelecimentos de Ilhéus e Itacaré, no sul da Bahia. Por oito anos, foi chef executivo do Catussaba Hotéis & Resorts, em Salvador. Ministrou aulas no curso de Chefs de Cozinha do Senac. Participa de festivais gastronômicos na Bahia defendendo a valorização dos produtos regionais. Também estuda sobre os méis de abelhas nativas sem ferrão. Atualmente é professor de gastronomia na curso de tecnólogo da Unisa (Universidade Santo Amaro - BA). A Bacurau o chef nos concedeu uma interessante e Gastronômica entrevista.
Bacurau: Chef Clodomiro, como se tornou chefe de cozinha?
Clodomiro: Tornei -me Chefe de Cozinha, quando comecei a administrar
minha primeira cozinha profissional, a “Maria Joanna's Cozinhas", em Mogi
Mirim SP, onde produzíamos e comercializava “Quentinhas", “Marmitex".
Depois essa pequena cozinha industrial, transformou-se em um Buffet, cuja
especialidade, eram os churrascos. Servimos desde os tradicionais espetinhos, ate
os famosos Fogo de Chão sendo o destaque e carro forte do buffet, nosso “porco
no rolete". Mas só me senti de fato um Chefe de Cozinha, depois que fiz os
cursos, no Senac Águas de São Pedro SP, e Senac Casa do Comércio de Salvador
BA. Depois dessa formação, aí sim pude absorver um pouco melhor, do que é ser um
Chefe de Cozinha, propriamente, principalmente com as experiências adquiridas
no mundo da hotelaria, onde tive o privilégio de poder passar por importantes
resorts, no Brasil e no exterior.
Bacurau: O Sr vem se destacando na região do alto sertão Baiano, mais
precisamente em Paulo Afonso-BA, seja por palestras sobre gastronomia, seja por
assinar cardápios de conceituados restaurantes da região, como o Sr vê o futuro
da profissão de chef de cozinha uma vez passado os modismos?
Clodomiro: Primeiramente, obrigado pela referência como destaque na
gastronomia do alto ser tão Baiano. A
profissão de Chef de Cozinha, existe a séculos, mas obteve renome e destaque
com o francês, Marie-Antoine Carême (1784 – 1833), considerado o “Chef dos Reis
e o Rei dos Chefes”. Este ajudou na organização das cozinhas profissionais.
Depois seguido por outro francês, Auguste Escoffier (1846 – 1935), que
sistematizou a “Brigada de Cozinha”, definindo funções e atribuições de cada
cozinheiro e principalmente do Chefe de Cozinha. Hoje em dia vemos, como você
bem disse, um certo modismo na profissão, e basta a pessoa aprender a preparar umas
duas ou três receitas básicas, se paramentar com uma Dólmã, (aquele jaleco de
cozinheiros), e já vira logo “Chef"... braços cruzados sobre o peito, cara
de bravo(a), uma foto para as redes sociais... E pronto... eis o Chef... eis a
Chef... mas sabemos que não é assim, para essa profissão, para esse título, ou
esse cargo, se requer muito tempo de trabalho, dedicação, estudos e mesmo
assim, termos a plena consciência de que nunca saberemos tudo dessa grande e
nobre arte e ciência que é a gastronomia. Portanto independente dos modismos,
sempre precisaremos e cada vez mais, desses profissionais, porém, que se
capacitem para poder exercer com maestria e dignidade esta tão bela profissão.
Bacurau: O Sr tem dado ênfase em ressignificar pratos regionais nordestinos, muitos
deles vistos como “comida de pobre” qual é a estratégia que o Sr usa para tirar
esse estigma de alguns pratos do nordeste?
Clodomiro: Não diria que há uma estratégia, propriamente, mas sim uma
sintonia com o que vem acontecendo no mundo da gastronomia, onde as pessoas
estão despertando para a valorização de seus produtos locais. Seja no Brasil ou
no exterior. Chefes de várias partes do mundo tem levantado essa bandeira, da
utilização do que ele tem ali próximo. Ingredientes produzidos naquela
determinada região, com características próprias, com identidade, carregando
consigo tradições, história alimentar, memórias afetivas, cultura, faz com que,
buscando técnicas gastronômicas, possamos utilizar estes mesmos produtos, que
por algumas vezes são estigmatizados, transformando-os, em verdadeiras
iguarias. Vivemos num celeiro de produtos alimentícios de altíssima qualidade,
e a vezes não nos damos conta. E olhamos o semiárido, a caatinga, com aquela
ideia de solo rachado que nada produz... ledo engano, a nossa biodiversidade é
enorme, nossos setores produtivos alimentícios também... o que nos falta e dar a
valorização merecida, para nossos produtos, e produtores, para nossa cultura, o
que outros povos fazem tão bem... vejam nossos pratos, nossos, bodes,
carneiros, nossos peixes, nossos doces, queijos, nossos vinhos... nossas
frutas... porque será que na Itália, esses mesmos produtos são tão bem
valorizados? Alguns até com delimitações geográficas para suas produções,
controle de origem, denominações... Porque eles dão valor ao que produzem, dão
valor a sua cultura. Portanto cabe também a nós profissionais da gastronomia
local, abrirmos os olhos e a mente, e trazermos para nossos pratos, as nossas
raízes culturais, valoriza-las, mesmo que no primeiro instante possa parecer
provocativo, mas se fará, a construção de um tempo que não deixaremos morrer a
história e a cultura alimentar de um povo.
Bacurau: No Brasil tivemos uma onda da chamada cozinha americana, mais
precisamente o BBQ, sendo que tem também temos um dos melhores churrascos do
mundo, como o Sr vê essa “americanização” na culinária Brasileira?
Clodomiro: Os americanos invadiram o mundo na área gastronômica, com suas grandes
redes de fast-food. Depois começaram a exportar por intermédio delas, seus
pratos, seus molhos, entre eles o famoso “Molho barbecue” e barbecue em sua
tradução literal, nada mais é do que “churrasco”. Então se descobriu que esse tão
famoso molho, nada mais é do que um dos molhos, utilizados pelos americanos,
para preparo de seus churrascos. Mas precisamente ao sul dos Estados Unidos, na
Louisiana, e também em Nova Orleans, encontramos a “Cozinha creoule" e
também a “cajun", inspiradas na miscigenação gastronômica, entre
africanos, espanhóis, franceses e indígenas daquela região, que gostam muito de
assados, com as características de serem esses pratos muito condimentados, e
essa cultura, veio também aportar ao meio de nossos churrascos. Bom,
interessante, sabores e cores que se agregam as carnes, principalmente as aves
e suínas, dando-lhes características especiais. Porém, não podemos deixar de
lembrar, que nós brasileiros, somos o país do churrasco. Ele está presente em
nossa cultura, antes da colonização, com nossos índios, preparando seus moquéns.
Depois a cultura dos pampas gaúchos, com as carnes bovinas e ovinas, em Fogo de
Chão, de lá para as churrasqueiras, e se espalharam Brasil afora, e hoje temos o
prato que mais se prepara e se consome no Brasil, sem nos atermos para isso. O
churrasco está presente no dia-a-dia do brasileiro. Seja no famoso “espetinho
de gato", nas ruas do Brasil, seja nas comemorações, ou nas pequenas e
enormes churrascarias, que povoam nossas cidades, estradas e rincões. Assamos,
peixes, assamos carnes, assamos frutas e legumes, assamos de uma simples
linguiça, a um boi inteiro. Então mesmo, com essa invasão de produtos
americanizados e alguns modismos⁰ de churrascos, ainda fico com a grandeza, tradição,
cultura, aromas e sabores, dos nossos churrascos brasileiros.
Bacurau: O Sr ministra um curso livre de gastronomia na cidade de Paulo
Afonso-BA, como tem sido essa experiência?
Clodomiro: Nas minhas primeiras visitas a Paulo Afonso, para prestar
serviços de Consultorias gastronômicas, fui convidado a fazer uma palestra para
primeira turma do Curso Livre de Gastronomia da Unisa Pólo Paulo Afonso. Foi
uma surpresa agradável, saber que havia este curso. Logo após, começamos a
estreitar os laços com a coordenação que nos convidou a ministrar algumas
aulas, na medida que conseguia conciliar com minhas atividades e aulas, em
outras faculdades de gastronomia, em Salvador. Mas sempre era um prazer enorme,
poder vir a Paulo Afonso ministrar essas aulas. Passado algum tempo, fui convidado
para trabalhar fora do Brasil, para chefiar um restaurante de cozinha
brasileira, em uma grande rede de e resorts, na região de Cancún, no México. Assim, retomando minhas atividades de Chefe de
Cozinha, em hotelaria. Quando do meu
retorno, recebi o convite do Sr. Marcelo Moreira, para assumir o Curso Livre de
Gastronomia, o que me deixou muito honrado, e mudei-me do México, para Paulo
Afonso, assumindo tão importante função. Formamos várias turmas, com um curso de seis
meses, onde os alunos, tiveram aulas de Higiene e Segurança Alimentar, Técnicas
básicas de cozinha, Cozinhas Regionais Brasileiras, Cozinhas Internacionais
(Italiana, Mexicana, Francesa, Orientais e outras), Garde Manger, Patissaria, Confeitaria,
Drinks e Coquetéis, e Enogastronomia. Para conclusão do curso, a maior parte
das turmas, participaram do evento chamado, CONFRARIA. Onde divididos em
equipes, tinham uma noite de experiência em uma cozinha profissional, e
preparavam um menu degustação para 70 convidados em média, sendo que cada uma
das Confrarias, tinha um tema ou a cozinha de determinado país ou região.
Tivemos as aulas suspensas no ano passado e até o presente momento, em função
da pandemia, esperamos voltar em breve. Mas até aqui, extremamente feliz e
recompensado, em ver alunas e alunos egressos de nosso Curso, em atividades no mercado
de trabalho e cenário gastronômico de Paulo Afonso e região. Além de muitos que
buscaram o curso por hobbie, e acabaram seguindo carreira, e outros que
continuando como hobbie, aproveitam para mostrar suas habilidades, adquiridas
durante o curso, para familiares e amigos. Sinto-me feliz em fazer parte desse processo.
Bacurau: O Sr tem formação em direito e advogou por alguns anos, hoje é chef de
cozinha, o que diria para quem está interessado em iniciar uma carreira na
gastronomia?
Clodomiro: Sim, sou Bacharel em Direito, formado pela Universidade de
Espírito Santo do Pinhal, em São Paulo, porém não advoguei. O que tive em
minhas carreiras profissionais, que chamam a atenção das pessoas, é que fui bancário,
Gerente, no Banco do Estado de São Paulo Banespa, onde trabalhei por 18 anos. E
de lá sai para enveredar para o mundo da gastronomia. E essa minha incursão, para uma área tão
diferente das áreas financeiras e jurídicas, fez com que, mesmo depois de
iniciado no mercado de trabalho, no ramo de alimentação, me fizesse buscar
capacitação profissional, para qual recorri, primeiramente ao Senac Águas de
São Pedro, depois no Senac Casa do Comércio de Salvador, além de diversos
cursos afins, entre eles, Especialização em Gestão de Qualidade em Gastronomia.
Com isso, posso dizer com toda tranquilidade para os que querem iniciar uma
carreira, no mundo da gastronomia, que além do gostar, do bem comer, do bem
beber, do bem servir. Que se capacite tecnicamente, para que possa ter
fundamentos, para cada ação, que deverá tomar ou fazer dentro do seu segmento
gastronômico, que diga-se de passagem, são muitos. Pois dentro de uma brigada
da cozinha, você pode ir de auxiliar de cozinha, à Chefe Executivo, passando
por várias formações de cozinheiros, Garde Manger, patisseiros, saucier, etc.
Pode ser da brigada de salão, como commins, garçons, maitres, barman, Sommellier
etc... pode ser um empresário ou empresária da área, gestor, consultor, professor
e inúmeras oportunidades que essa bela arte e ciência, que é a gastronomia, nos
proporciona. Sou grato e feliz em poder trabalhar com ela.
Gratidão.
Saudações gastronômicas!!!👨🏾🍳