Gecildo Queiroz é escritor, ator e também comediante (stand up) e um dos grandes nomes da cena literária pauloafonsina, sendo inclusive membro da ALPA (academia de letras de Paulo Afonso-BA) a Bacurau Gecildo concedeu essa entrevista que segue logo abaixo.

 

Bacurau: Gecildo você tem se destacado na cena literária do município de Paulo Afonso não só pelo livro Rua da frente que digamos assim é o nosso best seller, mas também pelo seu protagonismo em divulgar e vender seus livros direto ao público, como tem sido essa experiência?

 

GQ - É cada vez mais necessário que o escritor entenda algo fundamental:  livro é também um produto. Talvez com interesse primordial diferente (eventualmente bem mais aprofundado) do trivial consumo no processo de compra e venda, mas não deixa de ser um produto. Por essa razão, é inegável a necessidade de se fazer notar num universo onde há tanta distração, interesse tão diversificado. Decidi ir ao público, expor meus livros na rua, com uma intenção clara: aproximar o livro de espaços não convencionais. E quebrar a lógica arrogante e antiquada herdada do romantismo equivocado que coloca escritores acima do resto da humanidade, como se fossem seres iluminados, inalcançáveis. Estar perto das pessoas me fez entender como se dá o interesse pelo meu trabalho de maneira genuína e me ensina a vender minhas histórias, tal qual certo artesão, que já compartilhou comigo uma calçada, vende suas pulseiras e colares observando como cada pessoa é e reage a cores, traçados e formas.

 

Bacurau: Nos últimos anos temos assistido nos noticiários e pela internet o fechamento de grandes livrarias, em Paulo Afonso inclusive a livraria Nobel fechou suas portas, na sua opinião o que está acontecendo com o mercado de livros no Brasil?

 

GQ - Há razões de cunho mercadológico que não tenho conhecimento de causa para discorrer, no entanto, talvez estratégias equivocadas em campanhas de divulgação, desconhecimento da realidade do interesse por livros no Brasil, enfim, os motivos são vários e difíceis de pontuar com firmeza sem considerar um fator fundante: a relação cultural com o objeto livro tem sido cada vez menor. Sem falar do desinteresse por cultura de uma maneira geral. O avanço da tecnologia - que torna tudo emergencial - e o fascínio por resultados imediatos prescindem de algo básico no ato de ler, atenção a detalhes. O imediatismo rejeita um recurso imprescindível na leitura: atenção. Respeito ao tempo de compreensão e assimilação. Isto afasta as pessoas cada vez mais dos livros. Dá muito trabalho ler, afirmam os que não querem sequer entender o básico.

 

Bacurau: Com advento dos app de leitura e de equipamentos com o Kindle, os e-book tem cada vez mais ganhado espaço, como vê o futuro dos livros físicos de papel, acha que vão acabar? Ou que sempre haverá os dois formatos?

 

GQ - Esta é uma discussão (preocupação) antiga e, a meu ver, improdutiva. Desde a chegada dos editores virtuais, na década de 90, nos computadores, se fala no fim dos livros físicos. Antes de qualquer debate acerca do suporte onde o texto será pousado, mais importante é que o texto exista, o conteúdo perdure, o conhecimento se difunda. É até ingênuo, com tantos recursos tecnológicos, achar que os livros (os romances, contos, crônicas, ensaios, matérias jornalísticas, etc) não sejam afetados, envolvidos nos avanços. Foi assim com as máquinas de datilografar, a tecnologia permitiu agilidade na digitação e preservação do que foi escrito. A relação simbólica, afetiva com o objeto livro não vai acabar, isto independe dos avanços tecnológicos. Mas os suportes onde o texto será registrado podem ser vários, o objetivo é que se leia, se compartilhe histórias, poemas, pensamentos, ideias, vivências. Todos os formatos são aceitáveis.

 

Bacurau: Existem diversas pesquisas que mostram que as pessoas estão lendo menos livros, ao mesmo também há também pesquisas que mostram que as pessoas estão lendo mais, porém pequenos trechos e resumos devido aos aplicativos de mensagens e das shot News, como você explica essas contradições?

 

GQ - Em toda discussão sobre o quanto se está lendo no mundo é pouco considerado algo essencial, bastante relevante: assimilação e proveito. É precipitado dizer que se lê menos. Assim como há pressa na avaliação de quem diz que a procura por textos curtos na internet, com objetivos escolares, por exemplo, indica mais interesse por leitura. Tudo depende do objetivo, do grau de regularidade, compromisso e envolvimento. Ler, ou seja, identificar o que foi escrito, decifrar o signo apresentado, num primeiro momento, é algo aparentemente simples, feito regularmente, com relativa facilidade, nos muitos suportes e aplicativos. A continuidade, a qualidade da experiência e os diversos proveitos advindos do ato de ler, no entanto, é algo cada vez mais raro, porque exige mais do que ser alfabetizado, é preciso entender a atividade da captação de conteúdo como uma experiência cultural e espiritualmente enriquecedora. Considerando este aspecto, há poucos, cada vez menos leitores de fato. Considerando qualquer outro aspecto, sim, há mais gente lendo. Seja por obrigação (escola, faculdade, capacitação profissional), seja modismo (no caso dos livros de gente famosa nas redes). O que tem me impressionado, entretanto, sãos os canais de estimuladores de leitura, formadores de leitores sérios e comprometidos que venho conhecendo no youtube. Eles têm um papel valioso na tarefa de ampliar, enriquecer o aporte cultural literário no meio de tanta indigência e superficialidade.

 

Bacurau: Você também é professor e dá aulas de redação, a internet e a digitação têm feito as pessoas escreverem menos de próprio punho utilizando caneta ou lápis, na sua visão isso também não dificulta no aprendizado da língua portuguesa e na elaboração de uma redação?

 

GQ - Embora tenha reduzido consideravelmente minha atuação com professor de redação, ainda, de uma forma ou de outra, tento estimular e defender a prática de escrita cursiva, manuscrita, como um recurso de fortalecimento da capacidade cognitiva e motora de qualquer indivíduo. E, sim, a falta de importância dada à escrita a mão tem um peso preocupante no ensino e consequente aprendizado. Há uns dois anos, numa escola regular privada, havia vários alunos com dificuldade em redação. Diante disso, um grupo de mães, de doze crianças, decidiu solicitar a ajuda de um professor de produção textual. Eu fui sugerido por uma delas e, depois de um contato, escolhido. Qual a principal dificuldade de todos os estudantes, depois de avaliar e fazer um diagnóstico? A caligrafia. Às vezes, nem os donos da letra decodificavam o que foi escrito pelo próprio punho. Nem as meninas (havia meia dúzia delas no grupo de alunos), em tese mais zelosas, demostraram cuidado com uma condição indispensável da escrita a mão, a legibilidade. Há países que praticamente abandonaram a escrita a mão e, anos depois, perceberam o quão danosa foi essa decisão e trataram de reconsiderá-la .  A coordenação motora fina, prerrogativa da escrita cursiva, estava sendo perdida. Quanto à influência da internet neste processo, penso que ela tornou mais evidente um problema já existente e gritante, o descuido com a escrita e a aprendizagem do uso mais eficiente da língua. Há um prejuízo indiscutível na composição de uma redação, como o exemplo do grupo de alunos do Ensino Fundamental que assisti. Em outras palavras, se não entendo o que escreve, ainda que tenha as melhores ideias, elas serão conhecidas. Se a letra não é legível, como poderei avaliar.

 

Bacurau: A Lei Aldir Blanc também contemplou editoras e escritores em 2020, em sua opinião qual será o legado dessa lei para a cultura de uma forma geral e qual foi o real impacto desse recurso para as editoras e escritores?

 

GQ- A Lei Aldir Blanc foi providencial, uma tábua de salvação, ainda que aparentemente tardia e temporária. Diante de uma condição insustentável, vivida pelos mais diversos segmentos artísticos e todos que se envolvem indiretamente com eles, editoras (já em situação geral complicada) e escritores (especialmente os independentes) também foram afetados. Escritores que dependem da venda mais restrita, feita sem intermediação, sem ajuda de editoras, foram profundamente afetados. Eu mesmo, embora tenha uma boa relação com meus leitores locais, também penei pra desovar os exemplares da minha mais recente publicação, um livro de contos. Ser selecionado no Edital, no segmento Aquisição, colaborou para fazer os livros circularem novamente e, quem sabe, com esse suporte providencial, continuar se motivando para publicar mais brevemente. É gratificante ver artistas de nossa localidade ganharem um alento para continuar difundindo sua arte, acreditando nela, com o mínimo de esperança de se manter na luta e não desistir do que dá significado a vida deles.