Nos últimos anos do embate político no Brasil uma acusação da
direita sobre a educação brasileira chamou a atenção: a de que o processo
educacional brasileiro, promovido e dirigido pelo MEC, seria um processo de
doutrinação para a formação não de cidadãos, mas de militantes, ou, no mínimo,
de eleitores da esquerda, notadamente a marxista. No meio dessa acusação a
direita centraliza seus ataques ao “método Paulo Freire”. Esse suposto processo
doutrinador estaria por trás das vitórias eleitorais do PT nos últimos anos.
Todo esse “raciocínio” tem falhas óbvias. Ele não explica
como com todo esse processo doutrinador os partidos brasileiros genuinamente
marxistas muitas vezes não ultrapassam a barreira do 1% dos votos nas eleições
(a maioria nem sequer atinge esse percentual); não explica como esses supostos
eleitores marxistas brasileiros coloca uma maioria conservadora no Congresso em
todas as eleições; não explica como o PSDB ganha sempre as eleições em São
Paulo e nem a estrondosa votação dada a Bolsonaro na última eleição
presidencial.
Não há contradição nisso. Essas “não explicações” fazem parte
do processo ideológico do fascismo. Não explicar e omitir detalhes importantes
faz parte de qualquer processo de doutrinação. Isso mesmo que você leu.
Inclusive acusar os adversários de doutrinadores ao passo em que os seus
ensinamentos são “libertadores”, faz parte de qualquer processo de doutrinação
também. Verdades absolutas construídas por cima de detalhes incômodos que podem
ser omitidos, ou “explicados” fazendo uso de teorias conspiratórias, são os
caminhos para uma verdadeira doutrinação. Todo esse processo agora recebe o
auxílio das “fake News”, que sempre existiram na história, mas que aumentaram
seu potencial com o recurso tecnológico da internet.
Entre educação e doutrinação existem diferenças importantes
que qualquer indivíduo pode perceber. O processo educacional no Brasil segue a
linha da Educação Nova, movimento criado por educadores brasileiros nos anos 30
e segue o padrão básico do liberalismo: educação integradora, meritocrática,
adequada tanto à formação do cidadão como à formação para o mercado de
trabalho. É uma educação que se guia pelos princípios da laicidade e da
adaptação às novidades constantes criadas pela técnica e pela ciência. Estes
princípios são seguidos de forma contraditória e, não raro, o laicismo é
desrespeitado nesse processo. Não há nada de revolucionário ou marxista nesses
princípios básicos. A meritocracia e a formação técnica servem muito bem ao
liberalismo básico do capitalismo e a educação laica e pró-ciência também, pois
sem ela não existirão cientistas, trabalhadores que desenvolvam novas
tecnologias para gerar lucros ao capital. Evidentemente que o marxismo passa
longe de querer gerar lucros para os capitalistas.
Esse processo educacional se dá em um ambiente aberto ao
contraditório, com os alunos podendo questionar e discutir os temas em sala de
aula. Uma verdadeira doutrinação impõe princípios básicos inquestionáveis,
impõe dogmas sagrados ou comportamentos obrigatórios. Não há nada disso na
escola pública brasileira. Discutir temas (independente de qual seja o tema) de
forma democrática, com abertura ao contraditório não faz parte de um genuíno
processo de doutrinação.
E no meio dessa campanha de desinformação meteram o método
Paulo Freire no centro dos ataques da direita. O método Paulo Freire nada mais
é que um método de alfabetização de adultos criado nos anos 60 pelo professor
brasileiro Paulo Freire. Ele é um método rápido de alfabetização, pois em pouco
tempo um grande número de pessoas é alfabetizada e ele realmente propõe
despertar nas pessoas o senso crítico. Cidadania e leitura. Ler as letras e
“ler o mundo”. Saber ler e interpretar o texto e a sociedade. Trata-se disso.
Bem, se você acha que isso é doutrinação pode ficar tranquilo. Não é o método
Paulo Freire que está nas salas de aula dos ensinos fundamental, médio e
universitário no Brasil. Ele é apenas para alfabetização de adultos. Os
professores de língua portuguesa, matemática, física, geografia, história, filosofia,
etc., do seu filho não lidam com esse método em sala de aula. Um método de
alfabetização de adultos serve para alfabetizar adultos. A direita em sua
campanha nas redes sociais omitiu esse detalhe. Omitir, mentir, falsificar
informações são bons caminhos para qualquer processo de doutrinação. Pense bem
sobre isso.
Aristóteles Lima Santana é escritor e professor de Geografia.