Quando terminei de
assistir ao filme “Bacurau” uma dúvida me veio: por que a direita não gostou do
filme? Saber porque a esquerda gostou é fácil: uma comunidade pobre, de
excluídos sociais, vítimas da modernização, resolve optar pela insurgência
contra assassinos estrangeiros, usa táticas de guerrilha e, de quebra, no final
faz referências ao cangaço. A história se passa em Pernambuco, no Nordeste, a
região que menos deu votos a Bolsonaro. A insurreição dos pobres faz parte do
imaginário da esquerda e ficou óbvio o motivo que nos leva a gostar do filme.
Mas “Bacurau” faz
um apelo pela autodefesa, um dos temas mais caros e de fácil aceitação pela
direita. O filme relata uma comunidade que, ameaçada por assassinos, resolve se
defender com armas. “Bandido bom é bandido morto” é o lema preferido da direita
armamentista e o filme não deslegitima essa afirmação. Mesmo que Lunga e Pacote
sejam personagens em confronto com a Lei, o mesmo não se pode afirmar dos
outros membros da comunidade: camponeses, professores, uma enfermeira, etc. Em
sua maioria são pessoas honestas querendo viver em paz.
A legitimação do
discurso da autodefesa já seria um bom motivo para a direita gostar do filme.
Seria um motivo justo. Evidentemente que há um motivo mais cruel para isso: o
filme relata uma tentativa de extermínio de pobres e não existe nada de mais
agradável a fascistas e ultraliberais do que a matança de pobres. Não, isso não
é uma acusação injusta, é só visitar as páginas de ódio da extrema direita nas
redes sociais. Vá e veja com seus próprios olhos.
A presença de
norte-americanos como sendo os assassinos indica o anti-americanismo básico que
agrada uma parcela da esquerda na América Latina. Achei injusto e
desnecessário. Não quero parecer pró-norte-americano, mas é que não era preciso
recorrer a esse argumento para construir o roteiro. Já existem brasileiros que
sonham com o extermínio de outros brasileiros. Se os assassinos fossem
paulistas, catarinenses ou paranaenses já seria o suficiente. Para o papel dos
dois motoqueiros poderiam ser dois nordestinos eleitores do Bolsonaro (sim,
eles existem). Seria muito mais divertido escutar os paulistas gritando “vocês
não são iguais a nós” enquanto estivessem atirando nos motoqueiros. Essa é,
talvez, a cena chave para entender a aversão da direita ao filme. Para o típico
“coxinha” deve ser insuportável escutar de norte-americanos a frase “vocês não
são brancos como nós”, deve ser uma tortura escutar “vocês parecem mexicanos” e
“são latinos”. Não ser reconhecido como branco por europeus e norte-americanos
deve ser um sofrimento terrível para um “coxinha” que se olha no espelho e
enxerga um ariano nórdico imaginário e não a mestiçagem real de sua aparência.
A esquerda gosta
muito de “Bacurau” principalmente por causa da resistência dos pobres. É um
levante. É ação. O povo em armas. Sim, é tudo isso, mas não é revolucionário. O
tema da resistência tem aparecido muito na esquerda nos últimos anos. O
crescimento mundial da extrema direita explica o fenômeno. E é preciso resistir
sim, mas não apenas. É bom lembrar as grandes resistências: Tróia e Canudos.
Resistiram com heroísmo e caíram. A resistência francesa? Bem, as resistências
anti-nazistas da França e do Leste europeu só deram certo por causa da ajuda
das tropas norte-americanas de um lado e das soviéticas do outro. O grupo que
resiste em Bacurau é heroico, mas não aponta uma saída. E sem ter uma saída a
comunidade continua condenada. É só lembrar das palavras do alemão na cena
final: “isso é só o começo”. Ou seja, outros virão. Bacurau será apenas outra
Canudos. A resistência é necessária, mas não é suficiente. Será preciso uma
saída. Ao invés de Tróia ou Canudos devemos nos inspirar em Stalingrado. Lá não
existiu apenas resistência. Existiu também uma virada histórica. E é nessa
possível nova virada que precisamos apostar nossas fichas.
Aristóteles Lima Santana é professor da rede pública e
escritor.