Por João Victor Santos1
Já faz
algum tempo que um fenômeno tem incomodado o povo “ribeirinho” de P.a City: as
baronesas nas margens dos balneários (prainhas). A baronesas, ou Jacinto
d´agua, ou aguapé, vulgo Eichornia Crassipes, são plantas aquáticas que,
além de um Maracanã aquático, indicam que as águas do “Velho Chico” estão
poluídas. Essas plantas também tem uma característica especial, a saber, quando
elas surgem o fazem absorvendo as partículas que formam os agentes poluentes e
quando morrem deixam “de presente” uma explosão de todo esse detrito de volta
na água e sua morte “aduba” a água para que mais delas renasçam. Ou seja, da
poluição vieste à poluição retornará.
É preciso,
segundo o Comitê de Bacias Hidrográfica do Rio São Francisco2, muito mais do retirar as baronesas ou isola-las.
Faz-se necessário que haja uma reestruturação dos destinos dados aos esgotos de
Paulo Afonso, ou qualquer que seja a região e sua forma de poluição das águas. É
uma questão estrutural e não pontual. Assim como uma febre, a baronesa é
sintoma e não doença. Baixar a febre não cura a infecção. É aqui que a lógica
mais básica desse fenômeno natural pode nos servir para uma breve e suscinta
defesa da posição e da militância anticapitalista.
Antes de
qualquer coisa um aviso: esse texto pode ser lido por qualquer um(a) que saiba ler
e/ouvir o português, mas o recado teórico e político vai para a esquerda. Sim,
a esquerda, rachada, cheia de possibilidades e caminhos. Queremos com esse
texto é dizer, parafraseando Ângela Davis que “Não basta ser de esquerda, tem
que ser anticapitalista”.
Em tese,
ser de esquerda é se opor a sociabilidade que o capitalismo impõem (exploração
da mais-valia, contração da riqueza produzida por todos, exploração do homem
pelo homem, desigualdade, violência, fome, mercantilização da vida,
individualismo e etc) ou nas quais ela não cria, mas reinventa se agarra pra
“melhor” funcionar (racismo, machismo, capacitismo, LGBTQfobia etc). Todavia,
ser de esquerda e não ser anticapitalista significa, em termos gerais, se opor
a tudo isso, mas compreender que o capitalismo guarda mecanismos que permite a seus
adversários muda-lo “por dentro”, ou seja, realizar pequenas reformas e
humanizando um sistema que vive de toda essa sociabilidade assim como a
baronesa vive de poluição.
Se você
entende que tratar os sintomas não cura a doença em si. Se você entende que
retirar as baronesas da beira da água não evitará que elas voltem, compreende
também que o capitalismo causa e ao mesmo tempo é causado por todas as suas
características, sendo assim, consertá-lo é uma ilusão. Por causa dessa falsa
ideia acabamos criando uma série de artifícios para ajustar o sistema, mas tudo
aquilo que se contrapõe ao capital e não consegue fazê-lo efetivamente, acaba
sendo cooptado por ele.
Sempre foram
e sempre serão bem-vindas as alterações e reformas que permitam o povo
trabalhador ter um folego, respirar e viver melhor. Ninguém pode negar que
entre as quase 20 horas de trabalho diário do começo do capitalismo3, para as 8 horas, férias, décimo terceiro e
etc, foram ajustes bastante sensíveis e louváveis (conquistas dos trabalhadores
em luta, diga-se de passagem4). A
mesma história que afirma a benesse dessas reformas, atesta que, sem uma
derrubada do capitalismo, todas e cada uma dessas conquistas sazonalmente são
ameaçadas e/ou destruídas5 levando a
classe trabalhadora a uma viagem de décadas atrás no tempo onde nada, ou muito
pouco havia que garantisse nossa vida.
Por tanto,
ser anticapitalista é não só querer tirar as baronesas da beira, é também
querer colocar a baixo todo o sistema de esgoto que dá as condições para que
elas existam. Ser anticapitalista é conceber que a sociabilidade criada pelo
capitalismo e tudo que há nela não podem ser reformadas como alternativa
definitiva ou como ponto de chegada da luta do povo6. Colocar um nariz de palhaço num T-rex não muda o fato de
que ele vai te comer. É preciso organização da classe trabalhadora e um projeto
de sociedade que seja governado pelo povo e para o povo, onde a produção da
riqueza não fica nas costas de todos e os louros dessa produção fique nas mãos
de alguns. A única esquerda possível é a anticapitalista, pois, só ela pode
defender um projeto onde se mate a hidra e não maquie suas diversas caras.
Devemos ir
além das baronesas, dos sintomas e das reformas para reconstruir a sociedade. A
superação das atuais condições do capitalismo brasileiro demanda colocar de pé
uma outra estrutura mais humana, mais viva e com as cores da classe
trabalhadora.
Como fazer
isso? Essa, leitor camarada, é uma conversa para “nestante”.
NOTAS
[1] Historiador,
mestre em História, pesquisador do Laboratório de História, Memória das Lutas
Sociais e da Esquerda, militante do Movimento por uma Universidade Popular e
militante do PCB. (@johnn_vic e @avia_camarada).
[2] https://cbhsaofrancisco.org.br/noticias/natureza_blog/uma-planta-aquatica-chamada-baronesa/
[3] ENGELS,
Friedrich. A situação da classe operária na Inglaterra. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2008, 384p.
[4] HOBSBAWM,
Eric. Mundos do Trabalho. São Paulo: Paz e Terra, 2008, 518p.
[5] https://pcb.org.br/portal2/23819/no-ar-o-poder-popular-n-44/ ou
https://pcb.org.br/portal2/25024/no-ar-o-poder-popular-49/ ou ainda https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/viewFile/23491/21158
[6] LUXEMBURGO,
Rosa. REFORMA OU REVOLUÇÃO? São Paulo: Expressão Popular, 2010, 136p.